GALERIA KULUNGWANA - MAPUTO
MOÇAMBIQUE; Maio | 2019
MARÉ CHEIA
Alguns artistas são atributos da rua, seus modos têm que ver com a vastidão do atelier exterior que é a cidade e o mundo, quero dizer, seu pensamento é largamente votado para uma oficina de exploração de culturas e lugares distintos, resultando numa súmula de identidades que, ao invés de ensimesmar uma só tradição absorve e celebra todas as referências possíveis. Assim são Manuela Pimentel e JAS.
Se repararmos, mais ou menos claramente, um e outro, de obra tão distinta, comportam-se como fabricando na imensidão do mundo, colhendo cartazes das paredes de todas as cidades, escolhendo papeis japoneses ou nepaleses, aludindo a tempos e lugares diferentes sem limite. Há uma qualquer coisa de retribuíção, estão atentos ao que são os outros, as suas referências e história, e a arte comparece enquanto respeito e conhecimento. Cada peça elogia o que integra, é um modo de integração.
Em certa medida, a arte de Manuela Pimentel e de JAS vai ao encontro de uma característica fundamental da portugalidade: a mestiçagem. O povo português é o mais mestiço da Europa, arrastando nos séculos da sua história uma longa propensão a ser seduzido, fazendo de nosso sangue e nossa pele uma receita única de encontro com povos de todos os continentes. Gosto de entender a obra destes dois artistas como mestiça, emando de Portugal mas absorvendo e respeitando outras culturas, como um corpo que se repensa e se aperfeiçoa para não desperdiçar descoberta alguma.
Maré Cheia é uma alusão à tragédia moçambicana que comove e mobiliza o mundo inteiro, mas pode significar também essa ideia de que a arte é, se assim o quiser, uma abundância onde se acolhe o outro. Com estas obras, Manuela Pimentel e JAS acolhem Moçambique e sua tragédia, acolhem cada pessoa, como se dentro de uma obra de arte pudesse haver redenção, pudesse haver a simples manifestação protectora da paz e da compaixão.
Não nos salvaremos dentro de um quadro, dentro de um desenho, mas a partir do belíssimo trabalho de Manuela e de JAS poderemos ostentar a belíssima intenção de nos conhecermos e de nos apoiarmos. A arte é potenciação. Ela toma o que pode ser pouco e propõe o infinito.
Valter Hugo Mãe