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PINTURA

O SANGUE TODO NA CABEÇA | 2017

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O Sangue Todo Na Cabeça

Rodar como um pião
até à tontura do sentido único; o pino do corpo,
o pino do poente,
o pino da paisagem;
esfregar os olhos
para ver sangue e ouro. Regina Guimarães

 

PALIMPSESTOS

1
Dentro da parede
há certamente a sombra do construtor e a nostalgia da ruína.

Dentro da parede
há o segredo que permite atravessá-la e a cólera que a mantém de pedra e cal

Dentro da parede
há os suspiros dos amantes esperando e as traições ao serviço do futuro

Dentro da parede
há as vontades de brecha
e os desejos de pintura fresca

Dentro da parede
há o esquecimento de um tempo sem paredes e a memória de paredes caminhando

2
A criança descobre as paredes um certo dia em que decide vê-las pela primeira vez
como insectos pousados
na palma da mão de deus

A criança fala com as paredes até as tirar do sério
e as obrigar a confissões
que fazem corar de prazer

os ouvidos e as maçãs do rosto

A criança descasca as paredes presumindo que são frutos bizarros e desenha labirintos nas paredes presumindo que são cadernos mais distraídos do que os seus

A criança derruba paredes lutando contra as boas intenções e também ergue paredes combatendo dos pensamentos que ameaçam emparedá-la

A criança procura a companhia da parede para se confundir com ela
para ser música ininterrupta
aparecer logo a seguir a ser oculta

e esconder sabendo-se bela

3
Às paredes, acredita,
a criança ensina a dança
da terra a girar sobre si mesma
e do sangue subindo à cabeça
cada vez mais vermelho e mais depressa

Às paredes, acredita,
a criança ensina a queda com uma gargalhada a pique e poeira de palavras pobres por amor de pouco amortecer

Às paredes, acredita,
a criança ensina a levitação
e toda a descrença que é preciso para colar os cacos do juízo descolando devagar do chão

As paredes, acredita,
a criança ensina o ultraje
o despir-se atrás e à frente de tudo e todos o ser lavado e enxovalhado num só gesto o chamar-se falha passando a ser resto

Às paredes, acredita,
a criança ensina a moldura
a figura que se funde no suporte
como se cada parede levantada do chão fosse testemunha de uma execução

Regina Guimarães 1 de Março de 2017

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